sexta-feira, fevereiro 02, 2007

Contemplação

Há uns dias entregaram-me um papel para mão e disseram: “Toma, lê isto.” Peguei-lhe naturalmente mas… rapidamente verifiquei que não se tratava de um papel qualquer.
Continha um texto especial, do meu ponto de vista, uma verdadeira homenagem àquele para quem a “Sabedoria da velhice é esta: Saber trocar as vitórias imediatas pelas conquistas duradouras” (Paulo Coelho), fazendo da vida uma fonte de sabedoria, “um saber de experiência feito”, como diz o nosso poeta!
Uma homenagem àquele que pelo exemplo de vida que deu se tornou o grande pilar da minha família… e ele sim, soube fazer família! Uma família unida e valorizada…o seu grande objectivo de vida!

Pelo brilho dos seus belos olhos azuis e pelo sorriso lindo que me deixou, tenho a certeza que, conscientemente feliz, ele sentiu o seu objectivo devidamente concretizado!



Era um senhor septuagenário. Àquela altura da vida, passava o dia sentado em um banco improvisado, em frente à sua casa, vasculhando com seus imensos olhos azuis tudo aquilo que por ele ousasse passar. Às vezes eram pessoas; às vezes, borboletas.
Chamava-se Luís. Usava óculos grossos, desses com lentes que deixam os olhos ainda maiores e, no caso dele, ainda mais deslumbrantes. Tinha bochechas vermelhas, não por causa do calor. Parecia que tinha nascido assim.
Fora marceneiro, um desses bem habilidosos, coisa que os calos das mãos denunciavam. Muitos calos, poucas palavras. Falava pelo olhar. Quando o ânimo deixava, no entanto, ele ousava acenar timidamente.
Quando paravam, pessoas ou borboletas, ele cumprimentava com bom-dia ou boa-tarde, oferecendo um sorriso que diminuía o tamanho das bochechas.
Um dia apareceu alguém que de lá não era. Trouxe empolgação, novidade, o passado inteiro repaginado em forma de nova geração. Mas tudo o que os olhos azuis fizeram foi oferecer vinho e goiabada com queijo, perguntar como estava a vida — numa confissão óbvia de não saber lidar com o inesperado — e olhar, olhar e olhar, escaneando a visita para, quem sabe, conseguir desvendar a genética.
E sempre que a visita passava em frente à casa do senhor Luís, ele tirava o chapéu e inclinava levemente a cabeça. Tinha dias em que fazia tchau, batendo a bengala com a outra mão... Dizia que a cabeça era boa, mas as pernas, ruins. E a visita sempre achava que ele se despedia melhor do que cumprimentava.
Pode parecer poético alguém passar o dia assim, olhando tudo numa quietude providencial. Há até quem pense que era uma vida triste ou ociosa pela preguiça dos anos. Dizem que algo nele sabia o que o futuro lhe reservava e que justamente por isso ele ficava ali, paciente, só esperando...
A visita foi embora de vez. Dois meses depois, ele também.”


Este homem era o meu avô Luís que Deus tem e que tão carinhosamente me chamava de Sarita…
A autora do texto é a Kandy, “a visita”, uma sobrinha do meu avô, minha prima também, que vive no Brasil e que visitou Portugal em 2005, em especial a nossa terra, também do seu pai e pela primeira vez conheceu pessoalmente grande parte da sua família portuguesa, incluído eu.

Gentilmente cedeu-me este texto, o qual agradeço, e através do qual também eu homenageio assim de forma simples este… também simples, mas tão grande homem que foi para mim o meu avô, que me ajudou a ser mais pessoa, que simplesmente não passou pela vida mas nela SOUBE ESTAR… e de quem eu tenho tantas saudades!

1 comentário:

Kandy disse...

Querida prima, foi um prazer para mim visitá-los e conhecê-los todos, porque conhecer as nossas raízes é conhecermo-nos a nós mesmos. Fico muito feliz, como já disse, em ter contato com você e em ter tido a oportunidade de conhecer o tio Luís, de cujos olhos azuis eu jamais vou esquecer. Esse texto é pouco perto de tudo o que aprendi enquanto estive aí. Agora, não tenho só orgulho de o meu país ter sido colonizados pelos portugueses. Tenho orgulho de ser descendente dos portugueses e de ter uma família nesse pedaço tão especial da Europa! Bjos